A Imunidade Tributária e as Implicações da Reforma Tributária para o Terceiro Setor
- Pinheiro Carrenho
- 15 de abr.
- 6 min de leitura

A imunidade tributária, é uma proteção constitucional que impede a incidência de tributos sobre determinadas situações, trata-se de um conceito fundamental no direito brasileiro, sendo que no contexto do terceiro setor – pessoas jurídicas sem fins lucrativos - a imunidade tributária é crucial para garantir sua perenidade, de modo que possam operar sem o ônus de impostos que comprometeriam suas atividades essenciais.
Conforme definido por Hugo de Brito Machado a imunidade tributária é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não poder ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. a Imunidade é a limitação da competência.[1]
Assim, diferentemente da isenção, que é regulada por leis infraconstitucionais, a imunidade tem sua origem na Constituição, sendo que no contexto deste texto é pertinente a análise da imunidade trazida pelo artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988, que contempla as entidades sem fins lucrativos.
Enfatiza-se, ainda, que não se trata a imunidade tributária de uma renúncia fiscal, mas sim de uma limitação constitucional ao poder de tributar, tal imunidade deriva da proteção aos bens e serviços essenciais para a sociedade, portanto, o Constituinte teve como escopo não obstar o desenvolvimento pleno de tais atividades, tal entendimento expressa-se na vinculação da imunidade tributária ao desenvolvimento das finalidades essenciais das entidades imunes.
Considerando que a Reforma Tributária trouxe significativas alterações ao sistema tributário nacional, faz-se pertinente a análise da imunidade tributária concernente as entidades sem fins lucrativos, com foco nas mudanças introduzidas pela Emenda Constitucional 132/2023 e a Lei Complementar 214/2025.
Através da Emenda Constitucional 132/2023, o Brasil adotou no sistema tributário brasileiro o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), introduzindo o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) com características recomendadas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE e pelo Banco Mundial, quais sejam, base ampla de incidência, tributação no destino, não cumulatividade plena, legislação uniforme (o que se dará através das leis complementares), cobrança “por fora” (o imposto incide apenas sobre o valor do produto); rápida devolução dos créditos acumulados; desoneração dos investimento; desoneração das exportações; incidência sobre importações.
No contexto das entidades sem fins lucrativos, a Emenda Constitucional 132/2023, estabeleceu através do artigo 149-B, parágrafo único, que o IBS e a CBS observarão as imunidades previstas no artigo 150, inciso VI da CF/88, vide: “Os tributos de que trata o caput observarão as imunidades previstas no art. 150, VI, não se aplicando a ambos os tributos o disposto no art. 195, § 7º” (art. 149-B, parágrafo único).
Cabendo a Lei Complementar a regulamentação do IBS e CBS, o que se deu através da Lei Complementar 214/2025, a qual dispôs sobre a fruição da imunidade tributária pelas organizações sem fins lucrativos, assim, destaca-se:
LC 214/2025:
Art. 9º São imunes também ao IBS e à CBS os fornecimentos:
[...]
III - realizados por partidos políticos, inclusive seus institutos e fundações, entidades sindicais dos trabalhadores e instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos;
[...]
§ 3º A imunidade prevista no inciso III do caput deste artigo aplica-se, exclusivamente, às pessoas jurídicas sem fins lucrativos que cumpram, de forma cumulativa, os requisitos previstos no art. 14 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional).
§ 4º As imunidades das entidades previstas nos incisos I a III do caput deste artigo não se aplicam às suas aquisições de bens materiais e imateriais, inclusive direitos, e serviços.
Como se vê, a LC 214/2025 trouxe mudanças significativas na aplicação prática da imunidade tributária constitucional às entidades sem fins lucrativos, visto que, o atual entendimento sedimentado pela jurisprudência pátria, em especial o Supremo Tribunal Federal, é de que, na aquisição de bens destinados à finalidade essencial da instituição, a organização é imune, por exemplo, ao IPI e ao ICMS, visto que estará na qualidade de contribuinte de direito, sendo esta a tese firmada pelo STF, através do tema de repercussão geral 342:
A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido. (RE 608.872, Tema 342 da RG, de relatoria do Min. Dias Toffoli, Pleno, DJe 27.9.2017)
Seguindo a linha do entendimento firmado pelo STF, as entidades de assistência social sem fins lucrativos gozam de imunidade tributária, prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal, imunidade essa que pode se estender à incidência do ICMS, caso reste demonstrado que estão estreitamente ligados às suas finalidades essenciais.
A título de exemplo, vejamos recentes julgados:
REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. IMPORTAÇÃO DE INSUMOS E PRODUTOS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. ENTIDADE FILANTRÓPICA. AUSÊNCIA DE FINS LUCRATIVOS. DECRETO DE PROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO. 1. Aplicabilidade do art. 150, inc. VI, alínea c, da CF, que abrange os tributos que incidem sobre insumos e produtos que se relacionam as suas finalidades essenciais de prestação de seus serviços específicos de atendimento à saúde, destinados ao uso estritamente hospitalar. 2. O direito à imunidade tributária sobre o patrimônio, a renda e os serviços das instituições de educação, sem fins lucrativos, alcançam o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre as operações de importação de mercadorias utilizadas para a prestação de serviços. Precedentes deste Eg. Tribunal. Decisão mantida. Recurso oficial desprovido. (TJ-SP - Remessa Necessária Cível: 10509677820238260114 Campinas, Relator.: Martin Vargas, Data de Julgamento: 17/09/2024, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 17/09/2024).
EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - ENTIDADE FILANTRÓPICA SEM FINS LUCRATIVOS - ICMS - MERCADORIA IMPORTADA - EQUIPAMENTO MÉDICO - ESTREITA RELAÇÃO COM AS ATIVIDADES ESSENCIAIS - SENTENÇA MANTIDA. 1. Consoante a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, não haverá imunidade tributária quando o sujeito for contribuinte de fato, e não de direito, do tributo, em razão da substituição tributária. 2. Especificamente no caso de importação de mercadoria, o importador é o sujeito passivo direto da exação, ou seja, o contribuinte de direito do ICMS, não havendo que se falar em substituição tributária. Precedentes. 3. Seguindo a linha do entendimento firmado pelo STF, as entidades de assistência social sem fins lucrativos gozam de imunidade tributária, prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal, imunidade essa que pode se estender à incidência do ICMS, inclusive em casos de importação de bens, caso reste demonstrado que estão estreitamente ligados às suas finalidades essenciais. 4. Considerando que a autora é entidade de assistência social, sem qualquer fim lucrativo, e que a mercadoria foi importada para a realização do seu objeto social, a imunidade tributária deverá lhe ser assegurada. (TJ-MG - Apelação Cível: 5005052-67 .2023.8.13.0479 1 .0000.24.029410-8/001, Relator.: Des.(a) Wagner Wilson, Data de Julgamento: 04/04/2024, 19ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 11/04/2024).
Como se vê, no sistema atual, as organizações sem fins lucrativos enquadradas na imunidade trazida pelo artigo 150, VI, “c” da CF/88, ao adquirir bens destinados a suas atividades essenciais goza de imunidade, visto que são considerados contribuintes de direito no desenvolvimento de suas finalidades essenciais.
Importante frisar que no novo texto da Reforma Tributária não há essa distinção, entre contribuinte de fato e contribuinte de direito o que acarreta possíveis novas discussões judiciais, uma vez que as instituições sem fins lucrativos acabam por ser tributadas quando adquirem bens ou serviços em contrariedade ao artigo 150 VI, c.
Assim, o §4ª, do art. 9º, da LC 214/2015, pode trazer expressivo impacto quanto a realidade, atualmente vivenciada pelas entidades sem fins lucrativos, visto que na aquisição de bens não haverá imunidade, e incidirá o IBS e a CBS.
Dessa forma, em que pese a EC 132/2024, tenha garantido a imunidade tributária trazida pelo artigo 150, VI, “c”, da CF/88, a LC 214/2025, ao limitar a imunidade ao fornecimento de bens e serviços, trouxe significativa mudança quanto a fruição da imunidade, visto que na aquisição de bens para suas atividades essenciais as organizações imunes deixam de fazer jus a imunidade já reconhecida pelo STF, o que pode resultar em novos desafios para organizações sem fins lucrativos.
Portanto, é crucial que tais entidades revisem seus planejamentos estratégicos e orçamentários para mitigar os impactos que serão sentidos com as mudanças legislativas aqui apontadas.
Ana Carrenho e Raíssa Cardoso
[1] Curso de Direito Tributário - Hugo de Brito Machado - Jus Podium e Malheiros Editores, Ed. 44 - 2025.